TRANSTORNO BIPOLAR: A QUESTÃO DO DIAGNÓSTICO

          
 “Fulano é assim mesmo, ele é meio bipolar...”
O termo “bipolar” já faz parte do vocabulário popular e, com isso, vai perdendo seu sentido psiquiátrico específico. Paralelamente, o diagnóstico de Transtorno Bipolar (TB) vem sendo aplicado a muitas pessoas que, antes, eram vistas como deprimidas e que, agora, passaram a ser medicadas como “bipolares”. Entre a banalização do termo e o quadro clássico de uma grave doença psiquiátrica, há falta de consenso entre médicos e pacientes. Será que há uma inflação do diagnóstico? Será que, na prática, algumas pessoas vivem melhor se tomarem  medicamentos estabilizadores do humor, em vez de antidepressivos?

O TB envolve pelo menos três desafios: o diagnóstico, a definição de uma estratégia terapêutica e a adesão dos pacientes ao tratamento. Neste post abordamos o primeiro desafio: como se faz o diagnóstico de Transtorno Bipolar.
O Transtorno Bipolar (TB) afeta até 4% da população. Não se trata apenas de altos e baixos do humor, com um retorno periódico à normalidade, mas de um processo patológico progressivo que inclui neurodegeneração e inflamação sistêmica. Quanto mais longos e freqüentes os episódios da doença, maior o impacto na qualidade de vida e maior a mortalidade precoce. Essa última ocorre devido à usual coincidência de outras doenças, psiquiátricas ou não, bem como ao suicídio.

A doença resulta da interação complexa de vários genes, cujos mecanismos fisiopatológicos, incluindo sua ativação por acontecimentos estressantes, ainda não se encontram esclarecidos. O risco de um parente de primeiro grau de um portador de TB vir a ter a doença encontra-se entre 2 e 15%.
DIAGNÓSTICO

Ainda existem incertezas na definição diagnóstica. Não há um marcador biológico para definir, por meio de exame laboratorial ou de imagem cerebral, a presença da doença.  O diagnóstico é feito a partir de critérios clínicos padronizados. Além de uma ou mais fases de depressão, deve haver a ocorrência de pelo menos um episódio de mania ao longo da vida.

Mania é uma expressão da Psicopatologia que inclui, ao longo de pelo menos sete dias, uma combinação dos sintomas abaixo. Formas mais brandas são chamadas de hipomania.
*      Elevação do humor (exaltação, alegria, euforia,irritabilidade, hostilidade)
*      Diminuição da necessidade de sono
*      Aceleração do pensamento, com muitas idéias e planos inusitados
*      Fala rápida, com pressão para falar, com freqüentes mudanças de assunto
*      Hiperatividade, com aumento da energia
*      Idéias de grandeza, com auto-estima e otimismo exagerados
*      Desinibição, indiscrição, maior interesse sexual
*      Impulsividade, gastos exagerados

Ocorre que os pacientes passam muito mais tempo deprimidos do que na fase “eufórica” do TB, e, antes do primeiro episódio maníaco/hipomaníaco, pode haver vários períodos de depressão. Os longos períodos de depressão podem confundir o médico, que diagnostica e trata esses pacientes como deprimidos (unipolares), e não como bipolares. Além disso, os episódios hipomaníacos podem passar despercebidos por médicos, pacientes, ou familiares, retardando o diagnóstico de TB.

Em decorrência, uma parcela significativa de pessoas permanece sem o diagnóstico de TB e recebe, inadequadamente, o tratamento para depressão. Esse, além de não controlar a crise, pode desencadear e agravar novos episódios da doença. Tal situação leva os médicos a procurar, junto a seus pacientes acometidos por depressão, sinais presuntivos de TB, tais como, histórico familiar de TB, alta frequência de recorrência da depressão, passagem abrupta para (hipo)maníaca com uso de antidepressivo, falta de resposta ao tratamento usual de depressão, histórico de tentativa de suicídio. Em uma pessoa deprimida, nenhum desses sintomas, individualmente ou agrupados, define TB, mas sua presença exige investigação cuidadosa a respeito de antecedentes de (hipo)mania.

ESPECTRO BIPOLAR

O transtorno bipolar clássico (também chamado de TB tipo 1), com padrão característico de fases de elevação e de depressão do humor, não é o mais freqüente na população. Variantes da forma clássica passaram a ser consideradas transtornos do espectro bipolar. Isso ampliou consideravelmente a gama diagnóstica e o desafio terapêutico.

O conceito de transtorno bipolar tipo 2 desenvolveu-se a partir da década de 1970. É a forma mais freqüente de TB. Geralmente há episódios curtos de hipomania (de um a quatro dias, até de poucas horas), além das fases de depressão. Mais recentemente, a inclusão do especificador aumento do nível de energia e atividade nos quadros de mania/hipomania ampliou o grupo de TB tipo 2.  Pessoas que eram diagnosticadas e tratadas como depressivas “unipolares”, passaram a ser consideradas “bipolares”.

Bipolares tipo 2 passam cerca de 50% do tempo da vida deprimidos,  1% com sintomas de hipomania e 2% do tempo em estados mistos (que combinam depressão com euforia ou agitação). Tais estados incluem o que se chamava de “depressão agitada”. O tratamento exclusivamente com antidepressivos costuma piorar o quadro clínico, o qual, entre os agravantes, traz maior risco de suicídio.

Outros quadros sintomatológicos integram o “espectro bipolar”: os de início tardio, muitas vezes associados a um processo neurodegenerativo; os que cursam em períodos mais curtos e menos graves, porém mais comuns, de alterações hipomaníacas e depresssivas.
A coincidência de outros problemas psiquiátricos também torna mais difícil o correto diagnóstico de TB. Por exemplo, abuso de álcool pode chamar mais a atenção dos familiares e do médico, do que a alteração de humor subjacente. Veja na tabela abaixo como, frequentemente, outros problemas psiquiátricos coexistem com o TB.
Transtorno
Percentual médio encontrado (%)


Ansiedade
55
Uso abusivo de álcool
49
Fobial social
47
Transtorno de personalidade
36
Descontrole do impulso
16
Transtorno do déficit de atenção e hiperatividade
10

No post Transtorno Bipolar: o que é “depressão bipolar”? continuamos a abordar questões referentes ao diagnóstico de TB.


Veja neste blog:

Temas relacionados ao Transtorno Afetivo Bipolar poderão ser lidos nos seguintes posts:    
TRANSTORNO BIPOLAR: A QUESTÃO DO DIAGNÓSTICO                                                                                                            
TRANSTORNO BIPOLAR: O QUE É “DEPRESSÃO BIPOLAR”?                                                                                                      
TRANSTORNO BIPOLAR: AS BASES DO TRATAMENTO                                                                                                                 
TRANSTORNO BIPOLAR: A FAMÍLIA LIDANDO COM A CRISE                                                                                                     

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