TRANSTORNO BIPOLAR: A FAMÍLIA LIDANDO COM A CRISE

O Transtorno Afetivo Bipolar envolve pelo menos três desafios: um diagnóstico às vezes camuflado sob um quadro clínico variável, a definição de uma estratégia terapêutica e a adesão ao tratamento. Aqui vamos tratar de um aspecto desse último desafio: como lidar com uma pessoa que passa por fase de aceleração do humor (chamada de mania ou hipomania, dependendo da gravidade). Nessa circunstância, a pessoa sente-se absolutamente bem e não costuma aceitar facilmente orientações.

Pode haver várias combinações dentre os seguintes sintomas:

*      Elevação do humor (alegria e euforia, ou irritabilidade e hostilidade)
*      Hiperatividade, com sensação de aumento da energia
*      Diminuição da necessidade de sono
*      Aceleração do pensamento, com muitas idéias e planos inusitados
*      Fala rápida, com pressão para falar e freqüentes mudanças de assunto
*      Idéias de grandeza, com auto-estima e otimismo exagerados
*      Impulsividade, gastos exagerados, desinibição, maior interesse sexual

“REMÉDIOS PRA QUÊ...?! EU ME SINTO ÓTIMO!!!”

Há uma sensação de extremo bem-estar, com níveis aumentados de energia e de agilidade mental. A vivência é de plenitude e de um nível superior de existência. O caráter inicialmente “positivo” do afeto costuma contagiar quem está perto (podemos achar a pessoa mais espirituosa, hilariante). No entanto, esse quadro poderá facilmente transformar-se em hiperatividade, implicância e irritabilidade.  A pessoa passa a dizer ou fazer “aquilo que deve ser feito”, a querer “por ordem nas coisas”. Dois exemplos:

*      Passou a noite acordada, a fazer “contatos pessoais importantes” no telefone ou internet, arrumar armários (tentativas apenas, pois lhe faltava a usual organização na execução dessas tarefas);
*      Velhos ou novos motivos, antes relevados, passaram a ser o estopim para crescentes intrigas pessoais.

Geralmente, o comportamento é inadequado, sem freio nas palavras, nos gestos e nas reações. A pessoa mantém-se intransigente quanto à necessidade de medicação, ou à limitação temporária da liberdade pessoal acordada com o psiquiatra e familiares. São restrições comumente necessárias: sair sozinha, dirigir, trabalhar, ter acesso não supervisionado a internet ou telefone, ir a lugares com muita gente e estímulo, usar cartão de crédito, cuidar sozinha dos próprios medicamentos.

Sem tratamento adequado, o quadro se agrava e pode haver necessidade de uma internação. Essa ocorre quando a sensação de onipotência transforma-se numa “certeza” (delírio), acompanhada de atos desmedidos ou “defensivos” (movidos por idéias paranóides). O risco para si ou para os outros, a exaltação agressiva, bem como a exaustão dos cuidadores, são circunstâncias que pesam na decisão de internação.

COMO LIDAR COM A CRISE?

Diante de uma pessoa com o humor acelerado, corremos o risco de ficar paralisados pela angústia. Queremos ajudar, sem saber exatamente como agir. A seguir há algumas recomendações que costumam ajudar a lidar com a situação.São regras gerais que precisam ser adaptadas a contextos específicos e ao modo de ser de cada um dos envolvidos na crise.

NÃO BATER DE FRENTE.  Confrontar, desafiar e bater de frente não são boas estratégias! Tampouco inicie um jogo de força, quer por raciocínio lógico, quer por ameaças e alteração do volume de voz! Não confrontar quer dizer omitir-se e ficar calado? Não, ao contrário! Temos que ajudar a pessoa enferma a perceber seu comportamento alterado. Há situações em que podemos validar, total ou parcialmente, o conteúdo de uma queixa ou reivindicação, mas, ao mesmo tempo, mostrar a forma inadequada de expressão, contrastá-la com o modo de ser que a pessoa adotava anteriormente. Manter-se passivo ou afastar-se é fomentar na pessoa o sentimento de onipotência.

INTERVENÇÃO VERBAL EM DOIS TEMPOS. A intervenção em dois tempos é uma maneira de lidar com pessoas mergulhadas numa crise e que, por isso, têm capacidade reduzida para pensar, encontrar alternativas, ponderar. Nossa resposta a suas urgências e reivindicações deve ter duas partes, ou “tempos”:

1           RECONHECIMENTO        
     Ouvir, com respeito e atenção, as dificuldades, sentimentos e opiniões;
2           LIMITE                               
     Estabelecer, ou relembrar, as restrições que visam a proteção e segurança.

Problema frequente no tempo 1: Prolixidade do paciente. Interrompa-o com firmeza, mas, ao mesmo tempo, com delicadeza e respeito: Agora eu gostaria que você me escutasse por um momento. Quando falar, faça-o com concisão e objetividade. Lembre-se: não entre em disputas verbais, não altere a voz!

Problema frequente no tempo 2: Exasperação do paciente frente ao limite. Interrompa e avise: Eu quero continuar a lhe ajudar, mas você está muito nervoso. Eu vou me afastar um pouco para você poder se acalmar. Daqui a alguns minutos, a gente volta a conversar. E se afaste calmamente; não pode ser com desdém, nem “pisando duro”!

Adjetivar a imposição do limite: Não se alongue em justificativas. Seja objetivo e acrescente expressões como: por preocupação, para proteção, circunstancial, temporário. Veja um exemplo:

[Tempo 1: reconhecimento]
 “Eu compreendo que é muito chato ser impedido de dirigir, principalmente diante dos motivos que você me expôs e também porque sempre foi bom motorista...

[Tempo 2: limite]
“...Por outro lado, já conversamos sobre como está sua impulsividade.      A restrição quanto a dirigir, além de temporária, é para proteger a si próprio e também os outros. Por favor, colabore!”

REUNIÃO DE FAMÍLIA. Organize uma reunião com as pessoas do núcleo familiar. Isso pode ser feito no consultório de um profissional, que funcionará como intermediador. Deve-se conversar sobre duas coisas importantes: como estão se sentindo e quais as estratégias a serem adotadas. Essa conversa é importante, pois nossos sentimentos, geralmente turbulentos num momento de crise, precisam ser compartilhados e acalmados. Temos que transformar em pensamentos e em compreensão o que nos deixa tão exasperados e confusos. Estabeleça e cumpra um tempo de duração para essa reunião. Primeiro tempo: desabafo; segundo tempo: decisões. Ninguém pode monopolizar; é importante todos se expressarem, inclusive os que costumam ser mais calados. Decisões de reunião devem ser respeitadas, ninguém sozinho pode alterá-las. Essa estratégia também costuma dar bons resultados com equipes de cuidadores.

DIVISÃO DE TAREFAS. Todos são muito ocupados, o que fazer? As tarefas do cuidar podem ser divididas, de acordo com a personalidade e a disponibilidade de cada um. Idealmente, quem dá mais limites deve ser a pessoa que consegue manter a calma e que tem alguma ascensão sobre o paciente. Isso costuma ser mais difícil quando quem adoece é pessoa enérgica e dominadora. Todos devem zelar pelo cumprimento das regras estabelecidas, falar a mesma linguagem, e não se dividirem entre “maus” e “bonzinhos”.

Veja neste blog:

Temas relacionados ao Transtorno Afetivo Bipolar poderão ser lidos nos seguintes posts:    
TRANSTORNO BIPOLAR: A QUESTÃO DO DIAGNÓSTICO                                                                                                            
TRANSTORNO BIPOLAR: O QUE É “DEPRESSÃO BIPOLAR”?                                                                                                      
TRANSTORNO BIPOLAR: AS BASES DO TRATAMENTO                                                                                                                 
TRANSTORNO BIPOLAR: A FAMÍLIA LIDANDO COM A CRISE                                                                                                     

Sobre depressão, veja os posts:                                                           
                                                                                                                                           
DISTIMIA: QUANDO O MAU HUMOR É DEPRESSÃO                                                       
DEPRESSÃO: TRATAMENTO MEDICAMENTOSO                                                            
DEPRESSÃO: COMO A FAMÍLIA PODE AJUDAR                                                              
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DEPRESSÃO COM “D” MAIÚSCULO                                                                                 

Em outro conjunto de posts, há informações sobre como lidar com crises de pânico e insônia:
                                                                                                                                                              
TRANSTORNO DEPÂNICO E AGORAFOBIA                                                                                                                                     
PARA ENFRENTARO STRESS: RESPIRAÇÃO DIAFRAGMÁTICA                                                                                                  
PARA ENFRENTAR O STRESS: RELAXAMENTO PROGRESSIVO                                                                                                 

Três posts podem ser úteis para pessoas que tem o hábito de fumar:
                                                                                                                    
TABAGISMO (1): NÃO CONSIGO PARAR DE FUMAR                                                   
TABAGISMO (2): HÁ REMÉDIO PARA PARAR DE FUMAR?                                            
TABAGISMO (3): DICAS AO PARAR DE FUMAR                                                         

Para saber mais sobre transtornos mentais e seus tratamentos, visite o blog: 

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